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Duas bases, duas medidas: dupla Ba-Vi faz uso antagônico de suas crias


Duas bases, dois pesos, duas medidas. Separados por pouco mais de 17 km, os Centros de Treinamento do Fazendão, do Bahia, e da Toca do Leão, do Vitória, mostram faces diferentes do uso das suas crias. Enquanto o Vitória, tradicional revelador de jogadores do futebol brasileiro, promove de forma natural e gradativa os jogadores das divisões de base, o Bahia opta por um processo de espera ou maior lapidação dos jovens, antes de promovê-los a profissionais. Nos últimos anos, o Tricolor tem apostado em idas ao mercado, ainda que muitas vezes para trazer jogadores com idade equivalente à das crias do Fazendão em condições de jogar no time profissional.
Coincidência ou não, os dois clubes vivem momentos distintos nos campeonatos que disputam, o Bahia na Série A e o Vitória na Série B. O Rubro-Negro é líder isolado da Segundona, com um elenco mesclado entre jogadores rodados – ainda que jovens – e crias das divisões de bases, alguns saídos recentemente da categoria júnior. A média de idade do Vitória é de 24 anos.
jussandro; rafael; gabriel (Foto: Felipe Oliveira/EC Bahia/Divulgação)
Por outro lado, lutando há duas temporadas contra o rebaixamento na Série A, o Bahia repete a formula que não deu certo em 2011 – ainda que acompanhada do discurso de que o time foi campeão estadual na temporada. Com um elenco cheio de medalhões e veteranos, o Tricolor prefere apostar pouco nas suas crias, apesar do recente sucesso destes em competições de base, incluindo o vice-campeonato na Copa São Paulo de Futebol Júnior em 2011.
victor ramos; willie; leilson (Foto: Felipe Oliveira / EC Vitória / Divulgação)
Nas 20 rodadas em que entrou em campo, o Bahia usou no máximo três jogadores formados nas suas divisões de base por jogo. Isso aconteceu apenas duas vezes. Na terceira rodada, no empate com o Atlético-MG, Omar, Ávine e Gabriel estiveram em campo. O fato só se repetiu na 20ª rodada, no triunfo de 3 a 1 sobre o Santos, quando Omar, Jussandro e Gabriel representaram os jogadores formados na casa. Na maioria das vezes (9), o time teve apenas um atleta da base começando como titular. Em outras quatro ocasiões, dois atletas formados na base começaram jogando. Além disso, em duas rodadas (12ª e 18ª) nenhum jogador formado pelo clube esteve em campo.
Pelo lado do Vitória, o número mais comum é de quatro jogadores em campo como titulares. Isso aconteceu em oito das 20 rodadas. Em todas as partidas, pelo menos três jogadores criados na Toca do Leão estiveram em campo. Na mais emblemática das rodadas, a 12ª, diante do Atlético-PR, oito jogadores da base foram utilizados. Sete deles começaram a partida como titulares. Nas duas rodadas seguintes, 13ª e 14ª, Paulo César Carpegiani usou sete jogadores da base por jogo.

Roupa de homem não dá em menino
Jussandro, lateral do Bahia (Foto: Imagens/TV Bahia)
No Bahia, o ditado popular que diz “roupa de homem não dá em menino” parece ser um mantra a ser seguido. A frase, que costumava ser dita pelo campeão brasileiro pelo Bahia, Evaristo de Macedo, se materializa nos números do Tricolor no campeonato. Apenas sete jogadores da base foram usados pelo time principal nesta Série A.
O caso da lateral esquerda é um dos mais emblemáticos. Em oito das 20 rodadas disputadas pelo Bahia, o time entrou em campo sem um lateral-esquerdo de origem. Titular da posição, Ávine disputou oito partidas. Reserva imediato, contratado durante o campeonato estadual, Gerley disputou duas partidas como titular. O lateral de 21 anos não agradou nem a Falcão nem a Caio Júnior, e foi rebaixado para jogar na equipe B do Tricolor.

Somente na 19ª rodada, Jussandro ganhou uma oportunidade no time titular. Caio Júnior, que vinha escalando o volante Hélder na posição, atendeu aos apelos da torcida e de parte da imprensa e decidiu escalar o lateral de 21 anos. Apesar de se mostrar afoito em alguns lances, o lateral deu qualidade ao time, que voltou a ter a bola de linha de fundo com um dos seus recursos.
Em abril, durante o Campeonato Baiano, Falcão, que começou fazendo um bom uso da base, promoveu Jussandro ao time principal. Na ocasião, o Bahia venceu o Atlético-BA, mas o treinador deixou claro que não fazia parte dos seus planos manter tanta juventude no time e relatou uma brincadeira feita com o lateral.
- O Jussandro também me agradou. No começo ele teve dificuldades, mas não por culpa dele. Ele foi bem. Fez um grande jogo. No final ainda brinquei com ele no vestiário: ‘Jogar jogo de homem é difícil, não é?’ - disse Falcão na época.
Jussandro bahia (Foto: Felipe Oliveira / EC Bahia / Divulgação)
Quatro meses depois, Jussandro mostra que, em jogo de homem, os garotos podem ter vez. Enquanto Ávine continua sob tratamento de fortalecimento ósseo para se recuperar de uma lesão na cartilagem do joelho direito, Jussandro deve ser o titular da posição. O garoto admite diferenças em questões físicas da base para o profissional, mas promete uma adaptação rápida, sem esquecer de agradecer à torcida que pediu a sua presença.
- Eu fiquei muito feliz com a torcida pedindo para me colocar. Com isso dá para ver que meu trabalho está sendo bem feito, e fico contente porque a torcida tem esse carinho especial por mim. A gente sabe que base é base, e profissional é profissional, as coisas são diferentes. E o preparo físico muda. A gente sente um pouco o ritmo, mas, com trabalho e paciência, a gente consegue acompanhar. O importante é ter confiança. Depois que pega, você consegue se adaptar rápido – disse Jussandro ao GLOBOESPORTE.COM
gabriel atacante do bahia (Foto: Reprodução/TV Bahia)
Além do pouco aproveitamento dos jogadores da base, as crias do Bahia enfrentam problemas de ordem médica. Promovido para o grupo de profissionais em 2012, o lateral direito Madson não jogou nenhuma partida pela Série A por conta de problemas de contusão. Com duas lesões musculares, o lateral só voltou a ficar à disposição para jogar na 20ª rodada e, ainda assim, ficou no banco, uma vez que o titular da posição agora é Neto. Este último foi contratado na 10ª rodada da competição, mas só estreou oito jogos depois, contra o Náutico. Durante 18 rodadas, o Bahia jogou sem um especialista na lateral direita.
Outra curiosidade é que o jogador da base que mais atuou pelo Bahia nesta Série A foi o meia-atacante Gabriel. No entanto, o jogador não é exatamente uma cria das categorias inferiores do clube. O camisa 8 tricolor foi descoberto em um campo de várzea de Salvador há cerca de dois anos, portanto teve uma passagem relâmpago pela base do clube baiano. Apesar do pouco tempo de categoria, Gabriel admite que a transição é complicada. Para ele, a pressão é o maior adversário dos recém-promovidos.
- Dificuldade não tem quem não sinta. A transição da base para o profissional é difícil, mas o grupo acolhe ali, e a gente segue em frente trabalhando. É preciso pedir muita paciência dos treinadores e trabalhar firme, porque a oportunidade vai sempre aparecer. Tem que mostrar para que veio, porque a pressão é muito maior no profissional. Mas no jogo é onze contra onze, e acho tudo igual – garantiu o xodó da torcida tricolor.
Já Vander é um reserva de luxo. O meia disputou sete partidas na competição e foi titular em apenas duas. Além de Jussandro, Gabriel e Vander, as outras crias da base que vestiram a camisa do Bahia na Série A de 2012 foram Ávine (seis partidas), Rafael (quatro partidas), Omar (duas partidas) e Dudu (uma partida).
Para Dudu Fontes, preparador físico do Bahia, os jogadores que chegarm precisam de mais preparo físico para adentrar ao time profissional.
- Jogadores da base precisam de mais lastro físico. São jogadores jovens. Não suportam essa carga de trabalho mais intensa. É uma quantidade de trabalho maior do que eles têm na base.
Santo de casa faz milagre
No dia 21 de julho, o Vitória entrou em campo contra o Atlético-PR, no Gigante do Itiberê, em Paranaguá, pela 12ª rodada da Série B. Entre os 11 titulares, sete jogadores foram formados na base do Leão. Gustavo, Dankler, Victor Ramos, Gabriel, Uelliton, Leilson e Marquinhos mostraram o potencial que a Toca tem. Willie ainda saiu do banco de reservas para que o Vitória chegasse ao significativo número de oito jogadores da base utilizados. O triunfo de 1 a 0, com gol de Leilson, mostrou que, sempre que precisar, Carpegiani pode contar com os meninos da Toca. O treinador faz questão de deixar claro que os contratados não têm preferência diante das crias rubro-negras.
- Acho que futebol é uma renovação constante. Quando eu coloco um jogador e ele me dá uma resposta, fico pensando como vou fazer para mantê-lo no time. Se um menino da base vai bem, ele permanece jogando – disse o treinador.
ednilson sena, preparador físico do vitoria (Foto: Thiago Pereira/Globoesporte.com)
Para o preparador físico do Vitória, Ednilson Senna, a integração entre divisão de base e profissionais é o segredo do sucesso rubro-negro. Para Senna, o trabalho desenvolvido nas categorias anteriores à profissional é fundamental para que os jogadores promovidos não sejam devolvidos para o júnior.
- Procuramos nos preocupar desde cedo com os meninos da base. Temos um programa de talentos que trabalha o grupo como um todo, mas dedica atenção especial para jogadores com grande potencial. O Vitória possui um departamento de futebol integrado. Os mesmos médicos que tratam do grupo profissional tratam também dos meninos da base. E é assim também com os preparadores físicos e os demais profissionais do clube. Os nossos jogadores da base recebem tratamento profissional. Isso contribui muito para que os jogadores promovidos fiquem no grupo de cima em vez de bater e voltar – disse Senna.
Uma das situações que chama atenção no grupo do Vitória é a do lateral Mansur – que disputou sete partidas como titular nesta Série B. Cria da base do Bahia, Mansur não foi computado como jogador da base do Vitória. O lateral era reserva de Jussandro na base do Bahia, mas, assim que chegou ao Vitória, assumiu a titularidade.
- Às vezes o jogador que sobe da base precisa de um carinho maior para render. Foi assim com o Mansur. Ele era reserva do júnior no Bahia, veio para o Vitória e aproveitou uma necessidade do time para se firmar no elenco profissional. Ele tem boa capacidade física e deu conta do recado. É jovem, poderia até estar na disputa da Taça BH, mas o Carpegiani preferiu mantê-lo aqui – contou Senna.
jussandro, lenine e mansur - base do Bahia (Foto: Felipe Oliveira/Site Oficial)
O preparador também lembra o histórico do clube baiano em revelar jogadores e exemplos de sucesso na mescla entre atletas experientes e formados nas categorias de base.
- Desde o início dos anos 90, a base do clube tem dado frutos. Realmente passamos alguns anos sem utilizar esse critério. Ficamos contratando atletas de outros times. Mas voltamos a buscar os jogadores que precisamos nas nossas categorias de base. O Vitória conseguiu seus melhores resultados quando mesclou jogadores experientes com outros formados nas categorias de base do clube. Temos como o exemplo o vice-campeonato brasileiro de 93 e também da Copa do Brasil, em 2010. Foi assim que mantivemos a hegemonia regional nos últimos anos. Nessa Série B, já teve jogo que o time terminou com oito jogadores formados pela base – lembrou o preparador.
willie, meia do vitoria (Foto: Thiago Pereira/Globoesporte.com)
Uma das revelações do time do Vitória, o jovem Willie faz coro com o tricolor Jussandro e ressalta a dificuldade física de acompanhar o ritmo dos demais - ainda que, em campo, mostre que isso não é problema.
- No profissional, o desgaste físico é maior do que no júnior. É muito mais puxado. Exige mais preparo – disse.
Porém, para o jovem Willie, que brilhou na Copa São Paulo de Futebol Júnior deste ano, o maior problema entre profissionais é outro.
- O mais difícil para mim foi aprender a obediência tática. No júnior todo mundo joga por posição. Já no grupo de cima temos funções dentro de campo. Para mim, o Carpegiani pede para atacar quando estamos com a bola e marcar o lateral adversário quando estamos sem. Tive que aprender a recompor quando subi – disse o atacante.
Willie também reforça a integração entre base e profissional destacada por Ednilson Senna e, com gratidão, lembra do trabalho do treinador da categoria júnior.
- O Carlos Amadeu tem muita experiência. Ele me ajudou muito. Treinei com ele por dois anos. Sempre pedia para que eu fosse para cima do zagueiro adversário, driblar em velocidade. Disse que, quando eu subisse para o profissional, tinha que continuar sendo abusado dentro de campo – lembrou o atacante.
Com um histórico de quem já revelou heróis com Charles, Dida, Uéslei, Vampeta, Marcelo Ramos, Alex Alves, David Luiz, Daniel Alves e outros tantos, o torcedor baiano espera que suas crias continuem a ter oportunidades e ajudar tanto a Bahia quanto a Vitória a chegarem longe. Neste momento, o Rubro-Negro, dono da melhor campanha da história recente da Série B, é quem dá o exemplo. O Bahia, que, para ser campeão brasileiro em 88, precisou do brado popular para ter em campo jovem Charles, conhece bem a história: dar vez ao seus púpilos pode ser uma grande oportunidade de ajudar a retomar o caminho do sucesso.

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